segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Christchurch e a tiazinha do cahorro-quente

Em setembro do ano passado, nós passamos por um terremoto. Em fevereiro desse ano, enquanto nós dormíamos calorentos no Brasil, na véspera de embarcar em inédita viagem de navio, aconteceu outro. Pior, bem pior. Morreram muitas pessoas, muitas outras ficaram sem casa, sem chão, sem sanidade, sem seus negócios e à mercê das atarefadas companhias de seguro e da comissão de recuperação do terremoto (E abro um parênteses para dizer que a EQC e a CERA, mesmo em seu estado mais abestalhado e atarantado de queixas da segunda maior cidade da NZ, foi muito - mas muito - mais eficiente do que qualquer repartição pública no Brasil. Principalmente aquelas que lidam com devolver os direitos do povo e resolver problemas.). Esse segundo terremoto, com uma precisão terrível, destruiu o centro da cidade e a parte litorânea, onde ficam as placas tetônicas. Pense assim: seria como um terremoto destruir a Av. Paulista, mais ou menos até e incluindo o Ibirapuera.

Essa foto do início do post foi tirada em 2008, na minha primeira visita à Chch, aquele dia que a gente quase se perdeu por causa do Juliano.
A Catedral, instalada na sua própria praça, com uma feirinha, com trailers de comida, com uma Starbucks que tinha os atendentes mais simpáticos, com o prédio amado-odiado da Imigração, com turistas argentinos, chineses, alemães, americanos, brasileiros, japoneses em bando, artistas, profetas, banda de gaita de fole da polícia, festas, festivais, rinque de patinação no gelo, Ellerslie flower show, banco de dinheiro e de sentar, lojas, música ambiente, segurança.

Incontáveis vezes nós fomos pra Chch e passeamos na praça, no centro, na Colombo St., na High St., com motivo ou sem, pra levar mais um brasileiro recém-chegado, pra resolver assuntos imigratísticos, pra aproveitar liquidação, pra comprar presentes de natal, pra tirar foto, pra comer cachorro quente, pra mostrar pros pais e tirar foto na frente do fusca, fomos de carro em bando ou de ônibus sozinha. Pra comemorar meu aniversário. Pra tudo e pra nada.
Pra comprar meu vestido de noiva.
Quando voltamos, depois do terremoto, o centro ainda estava fechado, trânsito proibido com grades em volta, impedindo a visitação mas não a vista das ruínas, e nós nos contentamos com Riccarton.

Aproximada três semanas atrás, foi reaberto o que era chamado de "shopping a céu aberto", Cashel St. Mall, ali do ladinho da catedral, e também a Ballantynes - loja de departamento, epicentro do luxo e da delicadeza. Hoje nós tivemos a oportunidade de ir visitar.

Ainda não está tudo recuperado e há muito trabalho a ser feito, prédios ícones a serem demolidos. O trânsito ainda é um nó. Ainda há cercas de madeira em volta dos guindastes que trabalham incansáveis. Há painéis de acrílico transparente pra matar a curiosidade da obra. Hoje houveram também as lágrimas surpresas de saudade de tantas lembranças feitas ali e de dor ao ver uma cidade machucada. Porque na loja hoje abandonada havia uma foto minha no dia mais feliz da minha vida, com um vestido comprado depois de muitas horas de decisão intercontinental e de bater perna.
Porque ainda outro dia, com marido, pai e mãe, eu chorei na catedral de alegria e de benção, a catedral que foi dessacrada e será demolida pedra por pedra.
Porque a gente não consegue mais, de memória, preencher as lacunas de lojas e cafés faltando nas ruas.

Mas também porque a alma ainda está lá, nascendo em contêiners, estranhamente eficaz e moderna, limpa, trazendo as pessoas de volta pro machucado, descolorindo os hematomas, colorindo as novas calçadas.

Esse ano não faltaram as lindas árvores de natal da Ballantynes, pequenos luxos e balcões de maquiagem que eu nunca vou comprar. Algumas lojas já reabertas, cafés com turistas, ano que vem vai ser melhor. 

Porque hoje a gente descobriu que a tiazinha do cachorro-quente ainda está lá também, graças a Deus. Nós estávamos muito preocupados.


 Se você tiver um tempinho e em algum momento, pensou como poderiam melhorar os já esgotados centros urbanos com materias abundantes, veja esse vídeo, time-lapse fotográfico do Cashel Mall sendo reconstruído com contêiners de exportação. Fantástico.


4 comentários:

Anônimo disse...

Filha linda
Que maravilha de crônica. Eu e sua mãe não sabíamos que sua foto de noiva estava naquela loja. E choramos junto com você. Um choro de alegria por termos uma filha tão espetacular, tão noiva e tão sensível.
Kiko Mazziotti

Juliano disse...

Disse uma, duas e nunca vou cansar de dizer, de coração: vc é a pessoa mais feliz e amante que já conheci ao longo da minha vida. Parece que não Fê, mas aprendi e aprendo cada vez mais com suas palavras, com sua simplicidade e principalmente com a sua sensibilidade tão natural. TE admiro mto. Por mais que sejam poucas as vezes que a gente se fala.
Ler isso tudo hoje foi difícil, me senti andando pelas ruas de CHCH, rindo com vcs, comendo o cachorro quente da tia alemã e ouvindo pela 336546 vez o tiozinho dos doughnuts dizer todos os anos que o Brasil venceu a copa do mundo.
Sabe, após o terremote nunca mais pensei em chch, não sei, talvez estou mais contente assim, acreditando que a cidade ainda permece da maneira que está gravada na minha memória.

Mas é bom ver que realmente o tempo passa, que as feridas se curam e o sol sempre nasce novamente, as pessoas acordam e a vida tem que continar. Mas feliz ainda fico por saber que tem mta gente que se importa com isso, que não ia pra chch apenas para ficar horas na imigração ou ir ao Packin' Save.

Bom, saudade de vcs Fê...saudades daí...

Se cuidem! Bjao!

Robby disse...

Terceiro comentário!
Adoro seu jeito de escrever, por alguns minutinhos me senti na ruas, chorei com você na catedral e lembro do teu vestido lindo de noiva.
Que bom que as coisas aos poucos estão voltando ao normal e que a tiazinha do cachorro-quente continua firme e forte.
Quando eu for fazer uma visitinha, quero que me levem lá, claro.
Beijos

Celinha disse...

MaFê, um belo texto que transmite o sentimento da alma. Um relato que nos permite sentir, mesmo que de longe, um pouco daquilo que vocês sentiram diante da força da natureza. Nos faz refletir sobre a importância de cada lugar no qual estivemos e que guardam um pouco da nossa hietória.
Adorei
Beijos
Celinha