segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Terremoto

Eu estou em dúvida se ainda é mto cedo pra escrever esse post. Porque, na verdade, não sei se já consegui assimilar o que aconteceu e o que não aconteceu. Porque ainda não acabou e de manhã senti um tremor de 3 segundos que balançou as portas e janelas e fez meu coração ir parar no joelho direito e o estômago no joelho esquerdo.
Porque quando o caminhão passou na rua agorinha fazendo barulho eu quase chorei.

Sim, eu ainda estou apavorada. Mesmo que ninguém tenha morrido, que a minha tevê continue intacta, que a casa está de pé e sem rachaduras, a energia tenha voltado faz tempo e a água também e que da minha casa para o sul nada tenha acontecido. Fomos ontem pra Ashburton e está tudo perfeitinho, como deveria estar, como estava antes das 4.35am de sábado.

Eu estava dormindo e acordei como a exorcisada Linda Blair, chacolhando sozinha numa cama de casal, com o barulho mais horrível que nunca imaginei de portas gavetas armários janelas garrafas tudo se mexendo e a casa inteirinha como se estivesse em cima de um barquinho em uma tempestade no meio do mar, sentindo ondas e ondas. Ondas, é, é assim que se sente. Não uma vibração, mas ondas. Agora, after-shocks que ainda estão aparecendo, esses sim são vibração, uma tremidinha rápida, o suficiente pra ligar o cérebro na função correr.
Eram 4.35am, eu estava dormindo e meu cérebro não ligou a função correr. Foram só 40 segundos, no máximo. Mas deu tempo de pensar em um monte de coisa... Cadê o Rô? Ele está no shed ou no pasto. Tomara que esteja no pasto. A luz acabou. Minha lanterna está no carro. Vou ter que chegar no carro e pegar a lanterna. Estou sozinha ou a Lisa está em casa ainda? Acabou? Acabou? Por favor diz que acabou. Tem um quadro em cima da minha cabeça por favor permita que ele não caia em mim. Terremoto, eu tenho que ir pra baixo do batente da porta. Pernas não funcionam no momento. Cadê o gato? Meu celular tem bateria? Tem. Acabou? acabou.


This is it or was it just the first one before the Big one? Esse é o pensamento mais assustador de todos.


(Mais um after shock, agora.)

Acabou. Levantar da cama, Ipod pra iluminar o caminho e chegar na lanterna, ouvir a Lisa graças a Deus - "Holy Fuck!!" - pegar o celular, ligar pro Rô que deixou o celular em casa, ir pra cozinha, olhar a sala, analisar os danos, Lisa não pisa no chão da cozinha que tem garrafa quebrada, tem uma luz chegando, é o Rô. Respira.

Abraço. Beijo. Adrenalina e um pequeno terremoto pessoal. Pronto, passou. Full control mode.

O cavalo foi parar 4 pastos pra lá, o fogão está 30 cm longe da parede, mas nada além de uma garrafa de vodka vazia e um spray de ajax quebrado. Obrigada Deus. Obrigada. Obrigada.

Agora vamos ver como estão os outros, o shed, as vacas, as casas, a mulher do paquistanês que está grávidíssma. O Rô estava no shed, por um momento achou que estava bêbado e no momento seguinte, pulou 3 cercas e foi pro meio do pasto. Ágil.

Mais importante, vamos ficar juntos, porque daqui a pouco o sol vai nascer e tudo vai ficar um pouco menos assustador. O gato voltou pra casa miando desesperado e inconsolável.

A Juliet já está com o rádio ligado e disse que foi 7.4, começou em Chch e foi sentido até Invercargill - 600km. Os cachorros não estão nem aí e querem voltar a dormir. A tv de plasma do Brent, 50 polegadas, virou tapete e sucata.
Pegar o fogareiro de acampamento, todas as lanternas e fazer café na casa da Dai, como todo mundo junto.

O sol saiu, a vida continua, vamos ver o que quebrou. Voltei pra casa, voltaram pra fazenda, celular tocou, fui pro htl e lá fiquei até o dia seguinte, limpando garrafas quebradas, comemorando o que não quebrou, cancelando reservas e o almoço de dia dos pais que foi domingo, especulando o que vai acontecer e tentando entender. Quem mora em Darfield e Coalgate não pode sair porque as pontes do caminho estão danificadas.

Dormir não ajuda mto. Não dá pra descansar de verdade. Não consigo assistir o jornal e ver imagens de Christchurch. São lugares que conheço, que frequento, o shopping, o centro, a rua, dói no coração ver, as estradas rachadas, paredes caídas. Não dá. Não sei quando vai dar.

Já sinto saudade da vida que era quando o chão, imóvel, era a constante. A certeza que foi arrancada do cotidiano, que do chão não passa, que a terra é imóvel.

Não quero nunca passar por isso de novo. Mas obrigada Deus, por não deixar o porta-retrato cair na minha cabeça nem o shed na cabeça do Rô.

Um comentário:

Anônimo disse...

Filha linda
É impressionantemente preciso o seu relato sobre o terremoto, o que só faz aumentar o meu pavor.
Espero, sinceramente, que Deus continue atento. Beijo e amo você.
Kiko Mazziotti